Filha do meio, Maisa nasceu com uma má formação que a impediu de andar
BÁRBARA PORTO MARCELINO
Cada mãe cria o filho tendo como base suas próprias experiências. E cada ensinamento que ela
passa tem um sentido e significado que, às vezes, só o tempo revela o quão valioso é. Marcia
Regina Coelho, de 36 anos, é mãe de um menino, Gustavo, de 19 anos e duas meninas Maisa e
Mayana, de 14 e cinco anos. Para Marcia o ensinamento que ela sempre buscou passar aos
três filhos é o da realidade. Mas a realidade é um ensinamento? Na vida de delas, sim.
Tornou-se mãe pela primeira vez aos 16 anos, cinco anos depois soube que estava grávida
novamente, dali em diante descobriria que não se pode fugir da realidade e se encará-la é a
única opção, que seja com força e vontade de vencer. “Quando a Maisa nasceu, ela foi direto
para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), eu só fui entender o motivo três dias depois,
quando saí da maternidade e fui conhecer minha filha. Ela nasceu com uma má formação,
chamada mielomeningocele. Fiquei com ela na UTI durante um mês”, relembra Marcia.
Na mielomeningocele, a coluna vertebral do bebê permanece aberta ao longo de várias
vértebras e, devido a esta abertura, Maisa não tem o movimento das pernas. “Assim que
saímos da UTI, a Maisa já tinha retorno no médico. Eu não parei para pensar em como seria
nossas vidas dali em diante. A situação era turbulenta, mas a cada dia que passava aquela
realidade se tornava a minha rotina e da minha família”. Foram nove anos de viagens diárias a
Florianópolis, para diversos tratamentos. “Na época, meu filho mais velho ainda era uma
criança. Hoje, fico pensando o quanto foi difícil para ele. Em muitos momentos ele tinha que se
virar sozinho. Tive que lutar pela vida de uma filha e também tive que batalhar pela criação de
meu filho”, recorda Marcia.
Hoje, relembrando os anos ficados para trás, Marcia reflete sobre a transformação que o
nascimento de Maisa trouxe para sua vida. “Antes eu via um deficiente, mas eu não o
enxergava de verdade. Não percebia se a calçada era adequada, se tinha vaga no
estacionamento, não me dava conta da falta de acessibilidade para cadeirantes. Hoje, dou
muito valor para tudo isso“, conta Marcia. Um dos momentos mais emocionantes que a mãe
de Maisa faz questão de lembrar, foi o Cortejo Imperial do ano passado, em que Maisa fez
parte da corte. “Foi lindo ver ela entrar de cadeira de rodas com o pai na igreja, segurando a
bandeira. Naquele dia a comunidade a enxergou também. Fiquei muito feliz”.
PENSANDO NO FUTURO
Maisa está com 14 anos, experimentando as descobertas da adolescência e, como todas as
mães, Marcia tem os temores e receios das novidades que essa fase pode trazer. “Maisa
amadureceu muito rápido, durante os anos de tratamento ela convivia com muitos adultos,
mas ainda é uma adolescente e essa fase é complicada. Eles querem fazer tudo, sem medo de
nada. Sempre deixo claro para meus filhos que não quero perder a confiança neles. Que esse
vínculo é o mais importante. Nos momentos de angustia eu só peço que Deus guie o caminho
deles e que assim eu possa ficar mais tranquila”.
Mesmo com as dúvidas e anseios que o futuro reserva, Marcia sempre faz questão de
incentivar a filha em suas escolhas. “Eu deixo claro para Maisa que ela pode fazer o que ela
quiser, dentro dos limites dela, como qualquer outra pessoa. Nunca facilitei na escola e
enquanto minha família tinha ela como um diamante eu a criei igual aos irmãos”, conta
Marcia. A determinação em mostrar e encarar a realidade junto com a filha foi essencial para a
vida de Maisa e a tornou uma pessoa da qual a mãe se orgulha. “Ela nunca me disse: mãe, eu
quero andar. É uma menina forte, é guerreira, alta astral. Tenho muito orgulho dela”, conta
Marcia.
CORAÇÃO DE MÃE
Durante quase 10 anos, Marcia se dedicou aos cuidados com a filha. Depois que o período
mais turbulento passou uma vontade começou a aflorar. Queria ser mãe novamente. “Não
aproveitei parte da infância do meu filho mais velho e com a Maisa era tudo mais cauteloso.
Queria uma maternidade mais calma e que eu pudesse curtir todas as fases”, revela Marcia. E,
como coração de mãe sempre cabe mais um, há cinco anos Mayana chegou para completar a
família. “Sou muito feliz, acredito que tudo tem um sentido na nossa vida. Passaria por tudo de
novo... Eu precisava passar”.
Enquanto fecha o portão e se despede, Marcia ainda dá sua última fala: “espero que minha
história sirva para alguém”, diz. Da própria realidade, criou uma bela história, com momentos
difíceis que foram vencidos graças à determinação e esperança que só um coração de mãe
consegue ter.
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