“Cheguei a escrever, mas achei tão péssimas as poesias que rasguei todo o caderno”
CLÁUDIO EDUARDO DE SOUZA
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Entre um verso e outro, declamados numa fala segura e articulada, a poetisa respira pelas mãos. Gesticula enquanto respira, fala e encara o público. Com 80 anos de idade, a mineira Olynda Martelli Azevedo mantém vivo o amor pelas rimas. Entre as dezenas de rostos – nem sempre tão felizes – abrigados no Lar Santa Maria da Paz, em Tijucas, a paixão dela pelas letras se destaca feito oásis.
Veio de menina o amor por poemas. “Desde criança eu gostava de ler, decorava para poder apresentar. Ia na rádio, no circo, declamava e sempre ganhava um presentinho”, recorda. Mesmo hoje, quando declama e, ao final, recebe algum aplauso, agradece com um sorriso largo (daqueles em que os olhos acompanham) e orgulhosos ‘obrigada, obrigada, obrigada!’. Devia ser assim também quando menina.
A poetisa do Lar, desistiu de escrever. O gosto requintado para a leitura, fez com que aplicasse a si mesma a exigência por bons versos. Não gostou do que a própria caneta teimava em passar para o papel. “Cheguei a escrever, mas achei tão péssimas as poesias que rasguei todo o caderno”, conta aos risos, de quem, com oito décadas de vida, entende que rir de si ainda é um ótimo remédio.
VIDA NO LAR
Olynda percebe a solidão de alguns colegas que vivem no Lar. Entretanto, garante tirar proveito dos momentos em que se sente sozinha. “Muitos preferem só ficar dentro do quarto, tristes, mas eu prefiro vir para o jardim, ter contato com a natureza, desfrutar da sombra e da brisa”, fala, com os braços abertos, recebendo o leve vento que ameniza o calor daquela tarde ensolarada. O descanso sob o sombreiro é realmente convidativo. E, sem pressa, a poetisa aproveita o instante.
Viúva, mãe de uma filha e vó de uma neta, diz estar no Lar por opção: “eu escolhi estar aqui e não me arrependo”. Não é novata. Vive no asilo de idosos há quase 12 anos. A boa memória para as rimas, falha quando o assunto são datas. Não lembra exatamente em que ano cada coisa aconteceu, mas resume: morava em Minas Gerais; mudou para São Paulo quando casou; teve uma filha (que casou e mudou para Santa Catarina); quando a neta nasceu, foi a vez dela e do marido mudarem para cá, para ajudar a filha; ficou viúva; voltou para Minas Gerais para cuidar da mãe, que faleceu com mais de 90 anos; voltou para cá; decidiu que queria viver no Lar, onde recebe visitas da filha nos finais de semana...
SEMPRE EVOLUIR
“Buscamos na humanidade as verdades da verdade, sedentos de paz e amor. E em meio aos mortos-vivos, somos míseros cativos da iniquidade e da dor...”, declama ‘Marchemos’, de Castro Alves (psicografada por Chico Xavier). E ao final das estrofes interpretadas, resume a essência daquela poesia de verbetes corpulentos: “é sobre evolução. E o que estamos fazendo nesta vida se não tentando evoluir?”. E sorri, num riso que é mais ponto final, do que interrogação.
QUER AJUDAR O LAR?
Uma das possibilidades de ajudar todo mês, como sócios, a custear as despesas fixas do asilo é se cadastrar para fazer doação pelas contas de água ou luz. Para isso, só entrar em contato com a entidade no telefone (48) 3263-1176 e se cadastrar.
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