“O pior é que a gente se sente culpada, mesmo sabendo que somos as vítimas”
CLÁUDIO EDUARDO DE SOUZA
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Faz 19 anos que, na própria casa, Maria foi vítima de abuso sexual. Como em muitos dos casos de agressões e violência contra a mulher, o agressor era próximo da vítima. Era o irmão adotivo. Passadas quase duas décadas, ela ainda guarda na memória as marcas do abuso. Maria mora em Tijucas – cidade que desponta entre as 100 mais violentas às mulheres. E o nome é fictício para que ela seja poupada de qualquer exposição.
Maria foi adotada quando bebê. Por um tempo, carregou a revolta pelo abandono dos pais biológicos. Mas a grande marca que carrega para a vida toda, segundo ela, foi mesmo o abuso sexual. “Não tem como superar. Não dá para esquecer. Isso eu vou carregar para sempre comigo. E é algo que eu não falo com ninguém sobre...”, confidencia.
Na época, Maria sofreu o abuso e ficou calada. Só no dia seguinte, teve uma crise de choro na escola – ela tinha 14 anos. Em conversa com a direção do colégio, contou o que aconteceu. Conselho Tutelar foi acionado e foram até a casa da família. “Minha mãe disse que se responsabilizaria pelo meu irmão. Não fez nada. Ficou por isso. Hoje ele convive normalmente na família, mas eu não falo e nem chego perto”, comenta.
Maria, que hoje tem uma filha de quatro anos, diz que não deixa a menina ficar perto do irmão, que teria a violentado. Mesmo ninguém mais tocando no assunto, ela carrega consigo o receio de que o passado se repita. “É uma sensação horrível. E o pior é que a gente se sente culpada, mesmo sabendo que somos as vítimas”, conta, consciente de que não deveria se envergonhar pelo que sofreu.
VIOLÊNCIA AUMENTA
O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking dos países com maior número de crimes praticados contra mulheres, é o que revela o "Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil". Somente no ano passado, cerca de 148 mil mulheres vítimas de violência foram atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja, a cada dia em 2014, 405 mulheres precisaram de tratamento médico em decorrência de agressão sofrida.
Apesar da criação de leis específicas para proteger as mulheres da violência de gênero, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, o problema está longe de ser resolvido. Em Santa Catarina, o homicídio de mulheres cresceu 12% de 2006 a 2013. Em 2013, 122.829 mulheres foram vítimas de agressão no estado (seja ela física, psicológica ou sexual). Além disso, Tijucas está entre os 100 municípios mais violentos para as mulheres – conforme divulgou o Ministério Público.
A violência física é a mais frequente, presente em 48% dos atendimentos realizados pelo SUS. Em segundo lugar, a psicológica, que representa 23% dos casos. A violência sexual está em terceiro lugar, com 12% das mulheres atendidas, com maior incidência entre as crianças até 11 anos de idade e as adolescentes. A residência é o local onde as mulheres estão mais vulneráveis. Cerca de 71% dos casos de violência ocorre dentro de casa. Na maioria das vezes, o agressor é alguém que a vítima conhece: um familiar, um vizinho ou amigo. Por isso, muitas vezes, as mulheres não denunciam, o que dificulta a atuação dos órgãos competentes na punição do crime. É preciso que as vítimas rompam o silêncio e denunciem.
COMO DENUNCIAR?
Para recorrer ao Ministério Público em casos de violência doméstica, ligue 180 ou compareça à Promotoria de Justiça mais próxima. A ligação é gratuita e pode ser feita de qualquer telefone (móvel ou fixo). O serviço funciona 24 horas por dia, inclusive nos feriados. O “Ligue 180” fornece orientações e alternativas para que a mulher se proteja do agressor. A vítima é informada sobre seus direitos legais e os tipos de estabelecimentos que poderá procurar, conforme o caso.
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