Maria Barbosa Quirino nunca sobreviveu do crime. Por quase 30 anos, foi esposa, mãe e tinha uma mesma profissão: costureira. Mas, há pouco mais de três anos, está presa. Tenta usar da velha paixão pela costura para superar a falta da família e da liberdade. É uma das detentas que trabalha no Presídio Regional de Tijucas.
Atualmente, 318 presos convivem num espaço que deveria ser ocupado por 155 pessoas. Na contramão da estrutura relativamente precária e da superlotação, a gerência da unidade aposta no trabalho e na educação para que os encarcerados se ressocializem. Hoje, entre as fábricas montadas no interior do presídio, serviços externos e manutenção da unidade, a estimativa é de que 130 presos trabalhem durante o dia.
“Nós colocamos a disciplina como um dos grandes objetivos. A maioria está preso porque em algum momento não impuseram limites a eles. Trabalhar e estudar ajuda a impor esse limite, que é fundamental para a ressocialização”, comenta a responsável pelo presídio de Tijucas, Danielle Amorim Silva.
Dentro da unidade, foram montadas fábricas de confecção, de calçados, de lajotas e de artefatos em cimento. Há, ainda, os convênios para trabalhos externos: 20 mulheres vão para uma empresa de pescados em Santa Luzia e 10 homens para a limpeza de ruas na cidade de São João Batista. Todos recebem capacitação antes de entrar na produção. “Da porta da fábrica para dentro, são tratados como empregados, não como presos. Seguem as regras da empresa”, salienta Danielle. Ela diz que o pagamento padrão é de um salário mínimo, mas há casos em que os empregadores estabelecem metas e, quando cumpridas, pagam bonificação, além das horas-extras.
D. J., 24 anos, está há menos de um ano no presídio e trabalha numa das facções montadas na unidade. Foi preso por assalto e acredita que estará em liberdade em poucos meses. “Trabalhar ajuda para ir embora mais cedo e poder dar continuidade à vida lá fora”, ressalta. O presídio procura empresas parceiras para aumentar o número de vagas. “A intenção é ampliar, porque dar novas oportunidades a eles é o caminho para que saiam melhores do que entraram”, destaca a gerente.
Dados do Estado
Segundo informações da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, Santa Catarina tem, este ano, uma população carcerária de aproximadamente 16 mil presos. Os programas de humanização como a ressocialização pelo trabalho e estudo compreendem mais de 9.300 (57%) detentos trabalhando em fábricas e mais de 2 mil (9,2%) estudando – número superior à média nacional, que é de 8,7%. Por isto, o Estado é considerado pelo Ministério da Justiça como o que mais oferece atividade laboral aos apenados, com mais de 270 convênios assinados.
“Vi que ia morrer naquele dia, então fui mais rápida”
Costureira está atrás das grades por ter assassinado o marido. Ela diz que, se não matasse, morreria
“Eu não sou do crime” é a frase que Maria repete várias vezes. O motivo que a levou à prisão foi um homicídio, que aconteceu em 2007. Ela, por alguns minutos, larga a máquina de costura de uma das fábricas no interior do presídio para contar sobre o dia em que matou o próprio marido, na cidade de Brusque.
Era uma mulher comum. Trabalhava como costureira desde nova. Estava casada com o mesmo marido havia 20 anos. Tinha um casal de filhos. Foi após o nascimento do caçula que, segundo Maria, começaram as agressões. Foram cinco anos apanhando e sob ameaças de morte. “Um dia, depois de muitas surras, ele chegou em casa bêbado e armado, dizendo que iria me matar. Eu queria parar de apanhar. Vi que ia morrer naquele dia, então fui mais rápida”, conta.
Maria aproveitou um instante de descuido, em que o marido se deitou, pegou uma marreta e o golpeou na cabeça. “Fui até a delegacia e confessei tudo. Só depois, por causa da investigação, fui saber que ele também abusava da minha filha. Falei para o juiz: se eu soubesse disso, tinha matado antes!”, lembra. Mesmo sendo vítima de agressões, o tribunal não aceitou a argumentação de legítima defesa. Apesar de o crime ter acontecido em 2007, o julgamento só aconteceu em 2012. Maria foi condenada a 13 anos no regime fechado – mas acredita que daqui um ano consiga sair da prisão.
O trabalho tem sido a maneira de conseguir superar os dias longe dos filhos. “As horas passam, a gente não vê o tempo passar. A saudade dos filhos só bate quando eu paro. É bom manter a cabeça ocupada e ainda receber o salário para ajudar a família que ficou lá fora”, salienta Maria. Ela diz que já ensinou muitas meninas a costurar e acredita que muitas saem dali prontas para entrar no mercado de trabalho. A detenta conta os dias para ter, novamente, a liberdade. Quer voltar para os filhos. Quer voltar a trabalhar. “Minhas máquinas estão lá esperando por mim! Vou sair de cabeça erguida e começar uma nova vida”, conclui, com os olhos tomados pelo brilho da esperança.
O conhecimento aliado à recuperação dos encarcerados
As histórias de Franciesco Cordeiro Lourenço e William Vieira Comichioli são semelhantes. Os dois já frequentaram o Ensino Superior, moravam em cidades badaladas do Estado e eram corretores de imóveis. Os dois foram presos por tráfico de drogas. Apesar da trajetória parecida, não se conheciam. Hoje, apoiam um ao outro. São os únicos encarcerados da unidade de Tijucas a fazerem faculdade à distância – via internet.
Franciesco tem 35 anos. Trabalhava numa imobiliária de Balneário Camboriú. Foi preso por tráfico há dois anos. Acredita que ganhará liberdade até o fim do ano que vem, quando pretende, também, concluir a faculdade de Administração que faz de dentro do presídio. “Esse é uma grande oportunidade que temos. Estamos ocupando o tempo, que era para ser perdido, com algo que vai ser útil lá fora”, comenta. Já William, 37 anos, tem formação superior em Administração. Era corretor de imóveis em Florianópolis. Foi preso por tráfico de drogas em abril deste ano e ainda não foi a julgamento. Optou por cursar, agora, Ações Penais. “Eu queria mesmo era fazer Direito, mas não tinha vaga. Escolhi estudar para ter remissão de pena, mas também com a esperança de ter um novo futuro. Quem sabe eu consiga atuar nessa área”, argumenta.
De acordo com a coordenadora de Educação do presídio, Tânia Maria Dias, fora os dois estudantes do Ensino Superior, outros 186 presos estudam – entre alfabetização e nível médio. Eles são atendidos por seis professores. “Aqui existe toda possibilidade para se estudar, só não aproveita a oportunidade quem não quer”, afirma Tânia. Com relação aos detentos que usam o computador, ela assegura que são monitorados por professores e que a internet é toda bloqueada. Há, ainda, os livros para suporte. Mas a biblioteca está carente de títulos. “Quem tiver livros em casa, doe para nosso acervo. Principalmente os de autoajuda, que são os mais procurados pelos presos”, apela a coordenadora. Ela acredita que as palavras possam ser importantes aliadas no processo de ressocialização.
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