Por Cláudio Eduardo de Souza
Dia destes, mergulhado na leitura do livro 'Jesus, o homem mais amado da história', me vi pensando em quantos outros Filhos de Deus podem ter sido enviados à Terra e, antes de cumprirem suas missões, terem sido ceifados deste mundo que, por vezes, consegue ser mais cruel que o de milênios atrás. Teríamos, nós, escolhido e aplaudido a soltura de Barrabás, disfarçado em diferente enredo? Ou apenas sido omissos enquanto inocentes eram (e são) crucificados?
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Quando Adailton nascia, após horas de dor de parto, fila por atendimento e tentativas de um nascimento natural, quando claramente a mãe precisava ser submetida a uma cesariana, uma estrela brilhou no céu e apontou para a região da maternidade pública. Foi notada, fotografada e compartilhada nas redes sociais por milhares, que comemoravam o fenômeno, enquanto faziam um pedido. Mas ninguém sequer cogitou que o corpo celeste, tão radiante, vinha como sinal para anunciar a chegada do menino.
Caçula entre os quatro filhos, Adailton já nasceu sem pai - um pescador que morreu no mar, quando ignorou a chegada de uma tempestade, para buscar o sustento da família. Recaiu sobre a mãe, a dura tarefa de sustentar a casa. Aceitava todo serviço que aparecesse, principalmente nas faxinas, aceitando, inclusive, receber valores bem abaixo do que seria justo. Não podia se dar ao luxo de recusar trabalho - dizer não para a labuta era abrir mão de comida na mesa para si e para os filhos.
Conforme crescia, Adailton entendia a realidade nada fácil da família. E sentia agonia por ver os irmãos maiores ajudarem - andando pelas ruas da cidade, catando recicláveis - enquanto ele ficava em casa, por ser muito pequeno. Quando completou cinco anos de idade, sem festinha na escola ou parabéns dos amiguinhos, o menino que parecia ser invisível à sociedade, decidiu: "já estou grande, posso ajudar!".
Numa sexta-feira à tarde, esperou os irmãos saírem com seus carrinhos e sem ver a mãe que estava o dia inteiro fora, na faxina, pegou uma bicicletinha velha - que havia ganho dos irmãos, que a encontraram numa lixeira -, uma sacola plástica e foi, na esperança de encontrar latinhas de refrigerante e cerveja largadas pelas ruas. Morador de uma comunidade carente de Tijucas, o Jardim Progresso, Adailton nunca havia pedalado por ruas que não fossem as dali. Tinha cinco anos, afinal! Sentia que poderia desbravar o mundo, não por uma travessura ou desobediância, mas por altruísmo, por pensar na família e querer ser útil.
Não foram muitas pedaladas. Ainda com a sacola vazia, que enchia conforme acelerava, feito um balão
de gás, Adailton não conseguiu frear ou desviar de um carro acelerado, na avenida que ficava na entrada de sua comunidade. Voou. Caiu. Morreu. Antes de saber ler e escrever; antes de deixar de ser invisível à sociedade; antes de cumprir seus propósitos.
Caído, à espera de o corpo ser recolhido, o menino era observado, imóvel, por dezenas de curiosos que se amontoavam ao redor, com expressões de pena e tristeza.
- Quem é esse menino? - pergunta uma das curiosas, com olhar de quem tinha medo de saber a resposta e ser filho de algum conhecido.
- Não conheço, é ali do Jardim Progresso! - o que era dito, e recebido, com expressões de alívio. Era "só um menino do Jardim Progresso".
Adailton morreu, ali, num cruzamento da avenida José Manoel Reis. Morreu antes dos 30 anos, quando começaria a evangelizar, a realizar seus milagres e enfim ser notado. Antes dos 33, quando seria sacrificado e ressuscitaria. A não ser pela mãe e pelos irmãos, passou despercebido. E, ainda socialmente invisível, foi de volta para o lado do Pai.
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