Maria Valdete Nunes, ou apenas dona Dete, tem 62 anos, é casada e tem dois filhos. Atualmente, um problema na coluna a impede de trabalhar. Aguarda a aposentadoria. Mas, antes disso, era empregada doméstica. Dentre as tantas batalhas que enfrentou ao longo da vida, a maior foi dar suporte ao filho caçula nas tantas vezes em que precisou de atendimento médico. Na história que será contada aqui, dona Dete será apenas a narradora. O protagonista é Jonas Nunes, 28 anos. A timidez do rapaz, morador da rua do Governo, no centro de Tijucas, impede que ele conte sua própria história.
As dificuldades na vida de Jonas começaram cedo. Era um bebê quando a mãe percebeu umas manchas roxas no corpo. Levou para o médico e, após muitos exames, foi constatado que era portador de uma doença no sangue: hemofilia – entre os tantos sintomas, está o risco de hemorragias. Não tem cura. Apenas tratamento, que deve continuar até o fim da vida. Não bastasse isso, é epilético. Aos 11 meses de idade, numa convulsão, caiu. Criou, então, um coágulo no cérebro. “Na época, os médicos disseram para nos prepararmos para o pior. Mas ele superou e, quando fez um aninho, teve alta do hospital”, lembra dona Dete. Ela acredita que este episódio tenha sido o causador de outro diagnóstico: Jonas tem um atraso de dois anos na idade mental.
A saga de Jonas entre consultas, tratamentos e internações ao longo da vida é grande. Poderia ser motivo para muita lamentação do jovem. Tinha tudo para se apegar às dificuldades como desculpa para, ao menos em alguns momentos, ficar ocioso. Mas ele não se permite. A escola não foi o forte do menino – que na época tinha de ficar isolado, nas horas de atividades, dos demais alunos. Não podia se machucar. A família tinha medo que uma hemorragia fosse fatal. “Ele fez até a quarta série, mas não aprendeu nada lá. Hoje sabe ler e escrever um pouco graças a uma psicólogo que o atendia na Casa do Hemofílico. Era um anjo”, recorda a mãe.
FORÇA DE VONTADE
Há quase 10 anos, Jonas dá uma lição a qualquer pessoa que reclame de trabalhar. É exemplo de determinação e força de vontade. Com uma bicicleta e uma carrocinha acoplada, sai pela cidade para recolher materiais recicláveis. “Nem sei como isso começou. Só sei que ele gosta que se acaba desse trabalho. Já tentei convencer a mudar de serviço, mas não tem jeito. Não troca a reciclagem por nada”, conta dona Dete. Ela diz que o filho só não vai recolher o material no domingo. “Se tem feriado na semana, fica emburrado por não poder trabalhar. E nos dias de chuva forte só não vai porque eu não deixo. Nunca chegou em casa reclamando, nem para dizer que estava cansado”, afirma a mãe. Ela diz que fica preocupada. Mas a angústia é menor que a alegria de saber que, há pelo menos oito anos, Jonas não deu nenhuma convulsão ou teve qualquer complicação de saúde que o obrigasse a ficar internado novamente.
FILHO DE OURO
Algumas casas já separam os materiais recicláveis para Jonas. Muitas empresas fazem o mesmo. Já o conhecem de longa data. A mãe conta que já teve caso, por exemplo, que viu o filho retornar para alguma loja para devolver produtos que, sem querer, foram descartados junto com caixas que deveriam ir para a reciclagem. A honestidade de Jonas faz com que ela sinta que tem cumprido o papel de mãe – que, mesmo zelosa, fez questão de transmitir a ele valores e princípios. “Ele é um guerreiro, um lutador. Nunca nos decepcionou. Sofri muito com ele e por causa dele, mas a doença não é culpa de quem tem. Só tenho a agradecer pelo filho maravilhoso que Deus me deu”, finaliza dona Dete, com lágrimas ameaçando rolar, caso não interrompa o discurso orgulhoso.
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